Atordoada, adormece e desperta com cheiro de flor.
Estica,
estica, remexe na cama e suspira, mas se levanta como uma tempestade impetuosa.
Descabelada, pela manhã, segue direto ao rádio: música alta…
E canta, canta até encantar.
O desafinar de sua voz se mistura com o aroma de alecrim.
As mãos atentas aos talheres, aos afazeres, ao carinho matinal.
Sem perceber, ela vai deixando pela casa a sua essência, despertando o dia e dizendo bom dia ao sol.
Pela tarde, implacável, se nota o desprendimento do amor que ela deu, mostra um olhar pontiagudo, impávido.
Vira fera destemida e temida. Ataca sem reservas, cobrando aquilo o que sempre foi dela.
Respira ofegante, ensurdece e não se contenta com nenhuma explicação.
Ofega durante instantes.
Depois, entra no banho, sai translúcida e renovada como se nada tivesse acontecido.
Pronta pra amar. Mas não esquece, nunca esquece…
Ela nunca perde a mania de anoitecer antes do crepúsculo.
Tenho a impressão de que é ela quem convida a chegada da noite…
Roupão semi- aberto, desatenta aos movimentos, vai caminhando desassossegada, buscando pela casa um olhar que é só para ela.
E não descansa se não consegue. Tropeça, desastrada, em tudo o que encontra…
Refaz- se às gargalhadas, expandindo, a cada risada de si mesma, a sua capacidade inevitável de ser única, única…
Assistir a essa primazia é renascer para o amor todos os dias, porque tudo nela se renova para todas as formas de ser e sentir.
E, então, no final do dia, quando ela já esgotou todas as possibilidades de amanhecer em meu anoitecer, pego em suas mãos como se estivesse tocando o seu cerne e digo:
– Chegou a hora, minha querida.”