Matheo! Uma nova vida!

Era o famoso dia ruim, levantei atrasada, derrubei café na roupa durante o intervalo na sala dos professores e justo aquele dia Ronilda, a faxineira da universidade e que também vendia seu montão de bugiganga, tinha resolvido trazer a encomenda.

  • Meu Deus, Nilda! Isso não cabe na bolsa, olha o tamanho disso! – fiquei desesperada em pensar como ia levar aquilo.
  • Mulher, é só tirar da caixa! – Ela tirou o vibrador da caixa e colocou em cima da mesa.
  • Minha Nossa Senhora! Guarda isso pelo amor de Deus, você quer me matar mulher?! Coloquei de qualquer jeito na bolsa, com medo de que alguém chegasse. Ronilda se dobrou de rir do meu desespero. Eu encenei uma cara de brava e me fui para a sala, afinal já estava atrasada.

Quando olhei a hora, dei uma leve corridinha enquanto fechava a bolsa, mas como era meu dia ruim não poderia ser diferente. O zíper estava enroscado e não fechava de jeito nenhum, sem prestar atenção por onde andava e ainda caminhando o mais depressa possível, eu trombei com alguém e o conteúdo da bolsa caiu no chão.

Eu agachei o mais rápido que podia, mas uma mão encontrou meu mais novo “amiguinho” mais rápido que eu. Não poderia ser pior, era um aluno meu.

  • Desculpa, professora – Ele só se deu conta do que era quando me entregou. Eu enrubesci imediatamente e agradeci, nesse momento estava repassando toda a minha carreira. Aquilo poderia ser o fim para mim.
  • Matheo – não deixei ele ir, o segurei pelo braço e depois notando o movimento soltei-o. Por favor, não conte para ninguém. – Minha voz se embargou e meus olhos se encheram de lágrima.
  • Jamais – Com um tom firme me respondeu. Me ajudou a levantar e não disse mais nada, nem sequer virou para trás.

Ainda que todos na universidade já fossem adultos, seria muito provável que eu pudesse virar chacota, ou pior que isso chegasse ao conhecimento dos reitores. A faculdade de cinema não era das mais tradicionais, porém o machismo está em todas as camadas. Quão escandaloso seria uma recém separada de quase 40 anos andando com um vibrador na bolsa que está usando para ir trabalhar.

Eu estava “overthinking” e isso não me ajudaria em nada.

Cheguei na sala e vi então meu aluno que agora era meu confidente conversando com colegas de sala, senti um frio na espinha e resolvi somente seguir com o planejado. Para minha tristeza isso não foi tão simples, o projetor não queria funcionar. Fiz algumas tentativas e chamei um dos professores que estava passando para me ajudar.

Todos na sala estavam esperando que o aparelho funcionasse, caso contrário poderia pedir substituição, mas eu não era tanto da tecnologia então poderia ser que o problema fosse eu. Ele mexeu para lá e para cá, não parecia estar muito contente com a situação e quando todos estavam em silêncio, soltou:

  • Ah, o que seria de vocês mulheres sem nós homens, hein?! – e me entregou o controle com o projetor aparentemente funcionando. Os alunos eram em sua maioria homens e com isso ouvi umas risadinhas e um início de coro que queria se formar.
  • Seriam livres, sem medo de viver, falar ou andar na rua. Ocupariam os espaços que hoje as sufocamos, não seriam recriminadas, muito menos se sentiriam envergonhadas pelo gênero que possuem. Teriam prazer em viver e garanto, professor, criariam equipamentos que realmente funcionam. – Matheo me levantou pela segunda vez no dia e fez toda a sala calar, inclusive o professor que se retirou em silêncio.
  • Obrigada – foi quase um sussurro que saiu de mim. – Limpei a garganta e comecei finalmente a aula.

Eu tentei me fazer indiferente a tudo que me aconteceu no dia, mas volta e meia meu olho cruzava com o de Matheo e eu nunca tinha me dado conta o quão sério e bonito ele era. Alto, moreno e com ombros largos. Deve arrasar com as menininhas de sua idade. Além da beleza física, ele já se destacava por sua escrita, era um bom aluno, o que me aliviava de não me sentir obrigada a aprová-lo por uma possível chantagem.

Terminada a aula passei um trabalho para ser entregue na próxima semana, eles deveriam fazer o roteiro de um curta, com o tema e narrativa da forma que escolhessem e a apresentação da maneira como achassem melhor. Eu gostava de dar a oportunidade do aluno favorecer seu ponto forte, visto que na vida você escolherá seu caminho. Quando todos estavam saindo eu o chamei, ele veio sem titubear.

  • Obrigada por hoje. Você é um bom menino – eu esbocei um sorriso com um agradecimento da alma.
  • Eu sou um homem, professora. – Ele me olhou firmemente nos olhos, desviou para a boca e depois voltou para os olhos. – E saiu me deixando sem palavras. Eu nunca havia pensado nessa possibilidade, mas provavelmente essa noite eu chamaria meu vibrador de Matheo.

Naquela mesma noite eu comecei a corrigir os trabalhos de outra turma. Não tinha muito o que fazer a noite, desde que me separei não estava mais ocupada fazendo papel de psicóloga ou secretária. Embora a separação me doesse, estar naquela relação me fazia sentir menos mulher a cada dia.

Ele queria que eu parasse de dar aulas e me cuidasse mais, mas não porque me amava, mas porque as mulheres dos seus amigos estavam exibindo silicone e botox. Era fácil mandá-las calar a boca se a única reclamação delas era não ter a bolsa nova da Armani.

Eu cresci tendo acesso à Gucci, Prada, comendo na casa de chefes renomados, porém eu cresci tendo tudo isso apenas como ferramentas, facilidades do dia a dia e não como um fim.

Nos encontros que sempre aconteciam entre os casais, era comum se separarem os homens das esposas para conversar e fazer o tão famoso networking. No último em que fui, estava muito triste porque descobri uma mensagem do meu então marido para uma mulher, pedi conselhos porque não sabia o que fazer.

– Minha querida, tão doce e tão inocente. Todos os homens bons têm seus dias maus e você pode ficar somente com a parte boa de tudo isso. Você tem que escolher para onde quer focar. Eu prefiro focar no que é bom pra mim – e levantou o braço chacoalhando uma pulseira de diamantes que todas sabiam que tinha ganhado de aniversário de casamento, todas riram. Todas. A vida não podia ser tão supérflua.

Meu desejo como mulher era poder passar o dia sem maquiagem, tomando um bom café árabe, vendo um filme, tocando um piano e me sentindo amada da mesma forma e pela mesma pessoa com quem eu pudesse ir à uma ópera, com roupa de gala e um casaco da

Fendi.

Perdida nesses pensamentos eu retornei à realidade quando ouvi o sinal de que um e-mail havia chegado. From Matheo Hoffman.

Meu coração parou, pensei em todas as possibilidades, mas a que mais me afligia era a de que ele poderia me chantagear. Eu não queria largar minha carreira. De fundo ressoava meu marido dizendo “que carreira? Essa faculdade de merda?”. Eu me apegava à possibilidade de que se algo desse tipo passasse, eu poderia colocar em prática o sonho de viajar o mundo e fazer uma narrativa pelos olhos de uma mulher. Mas jamais poderia revelar meu nome. Enfim, possibilidades.

Criei coragem e abri o e-mail:

“Querida professora,

Não pude evitar o entusiasmo de escrever sobre o trabalho que nos propôs.

Seguindo à risca a liberdade de tema e de narrativa, eu criei um romance feminista em forma de áudio.

Acredito que minha voz traz mais poder e corpo à história.

Hoje nosso encontro inesperado, porém positivo ao meu olhar, me fez acreditar que não teria qualquer tipo de preconceito com a temática que escolhi.

Peço que não compartilhe com mais ninguém, é um projeto que pretendo seguir de forma anônima”

Eu estava tremendo por dentro e tive medo de colocar para reproduzir. Criei coragem e apertei o play.

Ele narrava a história de um aluno que era apaixonado por sua professora de piano, os dois tinham uma boa diferença de idade, porém ambos eram adultos. Sorri pela sugestividade e depois me senti encantada com a forma que ele descrevia o olhar do personagem principal pela sua amada.

“Seus olhos carregavam maturidade e sabedoria, era difícil desestabilizá-la, dizer algo que pudesse tocar sua estrutura, seja para o bem ou para o mal. Quanto eu teria que ser sábio para alcançar seu olhar? Seria eu digno de arrancar um suspiro daqueles lábios tão doces quanto um morango maduro, ou poderia dizer tão maduros quanto um morango doce?”

Sua voz era quente, sensual e sem que ele soubesse já estava me causando suspiros. Ele começou a citar os sonhos que tinha com a professora e como ele ansiava em sentir o gosto do morango enquanto ouvia Beethoven. Assim que percebi onde isso poderia acabar, eu resolvi apertar o foda-se e aproveitar o momento que estava sendo apreciada por alguém. Ainda que em uma história de ficção. Agarrei o brinquedo que estava na minha bolsa e resolvi testá-lo.

Enquanto ouvia a voz de Matheo dizendo no sonho que a professora lhe dava a mão, eu acariciava meus seios com o vibrador. Que alegria a minha quando ele descreveu que ela o incentivava a tocar nos seus mamilos. Essa sincronia poderia funcionar bem, nessa noite pelo menos.

“Eu segui explorando suas curvas, vi seu cabelo solto pela primeira vez e não poderia imaginar que era possível me apaixonar ainda mais. Seus olhos claros, suas sardas e seu cabelo que faziam ondas sobre os ombros, ela era uma deusa e eu seria seu subserviente. Estava um pouco inseguro sobre como agradá-la, mas em meu sonho ela gostava do meu toque. Eu beijei sua cicatriz no queixo e recorri com a língua passando pelo peito, umbigo e finalmente cheguei no meu mundo encantado.”

Me surpreendi com os detalhes que ele usava, eu realmente tinha uma cicatriz no queixo. Aquele texto foi escrito para mim e meu ego ferido de mulher trocada, teve seu regozijo por alguns segundos.

Eu seguia com o vibrador por onde a voz me falava para ir, mas nessa hora eu pausei. O que esse menino, digo HOMEM, queria dizer com “meu mundo encantado”? Uma das grandes decepções que tive como mulher casada é que nunca havia sido chupada na vida e com a experiência das minhas amigas também sendo esposas, isso era algo normal, os homens não faziam aquilo.

Se tudo o que estava passando ali era só uma história, acho que poderia me divertir com minha imaginação. Apertei o play novamente.

“Eu senti o cheiro e minha boca se encheu de água. Esse era o mel que eu mais desejava saborear na minha vida, me senti como uma criança que quer colocar o doce todo na boca, abocanhei, conheci o território e comecei a explorar os sabores em distintos locais do mesmo espaço. Eu não tinha muita experiência, mas tinha vontade, muita vontade. Ela me mostrou onde focar e foquei, como um bom aluno que era…”

Sua voz ia ficando mais rouca, como se estivesse sendo difícil para ele se concentrar na história, assim como estava ficando para mim. Será que ele também estaria aproveitando da mesma forma que eu? Era um misto de peso na consciência, de proibido e ao mesmo tempo de jovialidade e merecimento. Eu merecia ser tratada assim, o problema era a idade da pessoa e além disso ser meu aluno.

“… eu foquei naquela saliência que saía entre os dois lábios, era alí que ela tinha pedido. Ela pediu para eu chupar e com alegria obedeci. Rápido e forte, assim como “Verão de Vivaldi”. Era minha música favorita, e eu segui o ritmo da música até ver a primeira chuva de verão, parecia tempestade, era rápida, intensa e fazia tremer todas as bases. Eu segui com a mesma dedicação e veio a segunda e a terceira chuva, até que a terra já estava suficientemente molhada e ela me pediu para parar.”

Ativei o modo sugador de clítoris daquele vibrador e nunca gozei tão rápido na minha vida. Eu o mantive mesmo após gozar e não sabia que poderia gozar de novo e de novo. Na última vez eu gritei e desliguei o aparelho. Mesmo sem me tocar, esse menino/homem me fez gozar três vezes.

Senti vontade de parar de ouvir o áudio, porque provavelmente ele começaria a parte em que me dá tapas na cara e come meu cú, como qualquer filme pornô, mas resolvi ficar.

“Ela estava derretida em minhas mãos, nunca toquei notas tão certeiras. Provavelmente ainda havia espaço para melhorar. Mas nesse caso eu gostaria de ouvir da própria professora o que ela tinha achado da minha performance”..

E acabou o áudio.

Ele queria que eu interagisse. Quanta sutileza em me enviar um pornô e se sair ileso.

Cliquei em responder e pensei em tantas palavras. Eu ainda estava eufórica, naquele estado não seria bom escrever nada. Ele era sensível e saberia ler entre linhas. A melhor maneira de escrever um texto sóbrio, era estar sóbrio, pensei “ vou dormir e amanhã lido com isso”.

Sem tapas e sem cú. Deveria ser do tipo romântico.

Levei meu brinquedinho para o banheiro, lavei e o deixei em exposição. Era quase como um troféu, essa noite representava uma vitória a todas as lutas que vivi em 10 anos de casamento falido.

Fui para o chuveiro e programei a banheira para um banho quente e cheio de espuma. Busquei um champagne e como qualquer diva de um filme americano, eu relaxei.

Alexa, coloque uma música relaxante.

Eu não lembrava a última vez que eu havia me sentido nas nuvens daquela forma, agradeci a mim mesma, agradeci ao vibrador e agradeci ao Matheo, de alguma forma ele me ajudou com tudo isso. Sua voz ainda ecoava dentro de mim. Aquele menino era bom, merecia um 10.

Alexa me acordou no outro dia e me deixou a par da minha agenda. Eu tinha esquecido da papelada sobre o divórcio. Tinha que ver a cara do ex logo hoje?

Joseph nunca fora um homem ruim, mas com o tempo ele passou a competir mais e mais por poder. Comprou uma, duas, três empresas concorrentes e dizia que a meta era ser o único no mercado, não que a política econômica permitisse, porém sabemos que no privado é geralmente isso o que acontece. Ele substituiu nossas férias, por encontros que ele dizia “duplo-interesse”, íamos viajar aonde estava o melhor network do momento, as principais cabeças e os melhores aliados.

Nos últimos tempos ele sempre me apresentava como Laura Mak, a filha do “rei da prata”, como meu pai ficou conhecido ao se tornar o maior explorador do metal e depois maior fabricante de jóias do Norte da Àsia. Quando a gente começou a namorar, ele me chamava de “meu sol”. Eu passei de ser uma estrela na vida dele, para apenas ser um passaporte de entrada para a sociedade.

Enquanto me vestia para esse encontro desagradável, imagens e conversas do nosso relacionamento vinham à mente. Coisas boas e coisas ruins. Uma parte de mim queria tentar novamente e dar uma chance à essa relação, a outra parte me chacoalhava e me fazia lembrar da quantidade de vezes que eu fui dormir chorando, pedindo um pouco de atenção, tentando entender por que ele não me amava mais.

Senti meus olhos se encherem de água, respirei fundo, lavei o rosto e resolvi que eu me colocaria linda. Independentemente de onde aquilo iria terminar, eu merecia estar na melhor versão de mim.

Quando me olhei no espelho, notei que havia perdido algo de peso, que apesar do meu olhar cansado, ainda existia um pouco de brilho nele. Uma parte de mim estava florescendo.

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Matheo

Depois de muito tempo olhando para a tela do computador, resolvi fechá-lo e ir deitar. O dia já tinha amanhecido, mas o que tinha feito era algo tão grande que provavelmente se tornaria um marco em minha vida. Sempre iria me lembrar do dia 2 de setembro, o dia que me declarei, de maneira subjetiva, ao meu amor platônico.

Havia muito tempo que ensaiava algum passo nesse sentido, desde que soube dos rumores que a professora tinha flagrado o marido com uma estagiária 15 anos mais jovem, eu cogitava a possibilidade de mostrar-la meu interesse. Derick meu amigo me dizia que se existia alguma chance, seria agora, porque as mulheres têm maiores tendências vingativas. De certa forma, essa não parecia a melhor forma de pensar, eu não a queria a qualquer custo, muito menos servir unicamente para uma vingança.

Eu queria tocá-la gentilmente sobre o rosto, vê-la sorrir ao me ver, sentir seu cheiro… queria ser seu ouvinte quando a noite chegasse, escutar sua opinião brilhante sobre os últimos filmes e se ela quisesse me usar para algo mais, seria adorável.

A primeira lembrança que tinha sobre me sentir encantado com a Prof. Laura, foi sobre ler um artigo que ela escreveu sobre o filme “Questão de Tempo”, que se tornou um de meus favoritos. Ninguém falava sobre ele e eu resolvi dar uma chance. A crítica sobre as distintas formas de amor, os sacrifícios que envolvem amar, as pequenas alegrias e tristezas do dia-a-dia, tudo isso mesclado numa ideia surreal de viajar no tempo. Um romance sem clichê, me despertou o mais clichê dos romances.

Eu já sabia que queria cursar cinema, investiguei quem era aquela autora do artigo, descobri que era uma professora de uma das universidades que estava cogitando entrar.

Passei a acompanhar semanalmente seus escritos e nunca me arrependi de ler qualquer feito com o nome dela, estavam sempre impecáveis.

Intrigado por saber mais sobre ela, enviei um e-mail e contei sobre os artigos que havia lido e minha visão sobre eles, acrescentei que pensava em estudar cinema ou jornalismo. Ela me respondeu no mesmo dia com as palavras:

“Olá, caro leitor! Muito obrigada por suas palavras e atenção.

Não quero me estender muito porque não posso usar outros meios para dissertar sobre os filmes que fui paga para analisar.

Sobre sua carreira, me parece que tem bom vocabulário e escrita para qualquer uma das duas que escolher, também notei sua atenção à fotografia e enredo, algo que apreciamos muito no cinema. A verdade é que ainda que você não tivesse nada disso, tudo sempre pode ser construído, afinal não nascemos prontos para nada.

Se eu pudesse te dar um conselho verdadeiro diria: se precisar do dinheiro da sua profissão para viver, faça jornalismo. Não será fácil, mas tem muito mais oportunidade para trabalhos.

Opte por cinema se você busca paixão, arte e se essa escolha não vai interferir na sua qualidade de vida.

Dinheiro é uma necessidade real, não subestime isso. Paixão também, mas você só poderá apreciá-la se tiver o primeiro. Boa sorte na sua escolha”

Naquele momento morreu a dúvida e tomei uma decisão. Mais que isso, me inscrevi na faculdade que ela lecionava. Não, eu não era um stalker. Eu só queria beber um pouco de sua genialidade e assim o fiz, no entanto, nunca havíamos falado de novo, até esse dia. Eu tinha chegado atrasado na aula e estava indo em direção ao banheiro, sempre fazia o mesmo ritual antes de entrar na aula dela. Verificava se eu estava alinhado, passava um perfume que eu trazia na bolsa e evitava qualquer tipo de acessório ou roupa que me fizesse parecer mais novo. Tínhamos pelas minhas contas aproximadamente 10 anos de diferença, para mim era indiferente, mas a sociedade era cruel com as mulheres.

A professora nunca se atrasava e eu não queria que ela pensasse que eu não me importava com sua aula, então tratava sempre de chegar no horário. Eu corri para dar tempo de ir ao banheiro, numa curva um pouco fechada que fiz, nos trombamos e a fiz derrubar suas coisas no chão.

Meu coração disparou e eu só queria ajudá-la. Agarrei o que tinha caído de sua bolsa e me dei conta do que era. Quando a olhei, podia sentir o embaraço em seu rosto, a vergonha de não poder me olhar diretamente nos olhos. Ela estava vulnerável e meu instinto masculino só queria protegê-la e dizer que estava tudo bem. O melhor que eu poderia fazer era sair dali e fingir que não tinha visto nada demais. Ajudei minha deusa a levantar-se e sem muito contato visual me virei para ir. Ela segurou meu braço e minha respiração falhou.

-Matheo..

Ela sabia meu nome! Eu não era de todo invisível para ela.

-Por favor, não conte para ninguém – Senti o poder de exercer a proteção nas minhas mãos, não poderia falhar.

-Jamais – Mantive o tom mais firme que poderia, queria que ela pudesse confiar em mim. Eu não a decepcionaria.

Durante a aula ela continuava nervosa, e por cima o projetor parou de funcionar. O pior dos professores passou no momento, justamente aquele que fazia fofoca da vida pessoal da professora na universidade. Foi ele quem contou para toda a sala que o marido da professora estava “comendo a estagiária”, acrescentando comentários como “a prof Laura também não se cuida, está sempre com as mesma roupas de velha, não que se me pedisse eu não comeria, AHAHAHAH”. E eu vi a maioria da sala dar risada com as falas desse homem asqueroso. E logo para ele, ela pediu ajuda. Aquele não era realmente o dia de sorte da prof, mas eu estava lá para assegurar-la um pouco de dignidade.

O velho tentou soltar um comentário de macho alfa, e eu sempre odiei esse tipo de comportamento. Vi minha mãe definhando durante muitos anos perante às covardes traições e maus tratos do meu pai. Ele dizia que dava de tudo para ela, ela menos ainda reivindicava o respeito que lhe faltava, talvez porque ela não sabia que ele a devia isso, embora sentisse que existia um vazio e uma dor sempre latente. Porém, eu sabia.

Minha mãe morreu após uma semana internada e meu pai nunca foi visitá-la porque estava distraído com a amante 11 anos mais jovem, dizia que a frescura que minha mãe tinha, iria passar em breve. E passou…

Eu levantei minha voz e busquei calar aquele professor machista, meu pai e todos os homens incapazes de proteger suas mulheres e, pior, fazê-las passar por situações embaraçosas e humilhantes. Eu nunca mais me calaria perante uma situação daquelas, era uma promessa que tinha feito à minha mãe. Recebi um sorriso de gratidão da Laura e tudo valeu a pena..

Depois disso percebi que ela me notava e tentava desviar o olhar. Derick também percebeu. Eu tinha que tentar algo, aliás depois daquele semestre eu só teria aula com ela de novo depois de 2 anos e, com toda essa confusão que ela estava passando em sua vida pessoal, ninguém se espantaria se ela parasse de dar aula.

Quando ela disse sobre o trabalho de tema e apresentação livre, vi uma forma de poder fazer acontecer.

Não precisei pensar muito sobre o que dizer para ela, sempre imaginei o que eu poderia falar nesses momentos, mas confesso que estava mais apaixonado e entusiasmado que nunca. Para evitar mal-entendidos, eu enviei um pedido de confirmação de leitura e apenas 20 min depois que enviei, eu recebi o comunicado.

Esperei, esperei e esperei, porém absolutamente nada me foi respondido.

Eu não queria que ela se sentisse assediada ou desrespeitada. Porém eu não poderia deixá-la com dúvidas do que eu sentia. Não fui explícito, muito menos escrevi em códigos. Bastasse ela aceitar enxergar e eu sabia que ela seria capaz de entender

Tentei assistir vídeos no Youtube, fazer sudoku, regar minhas suculentas e até tocar um pouco de piano, mas não pude diminuir a ansiedade da resposta. Será que haveria uma? Minha próxima aula com ela seria em dois dias, bastava esperar ou enlouquecer.

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LAURA

Cheguei justamente no horário, minha advogada me esperava do lado de fora do prédio, nos cumprimentamos e entramos no elevador.

  • Muito bem, além dos bens materiais, ele vai entender o mais precioso que ele perdeu e que não poderá recuperar. – Ela sorriu e acenou com a cabeça. – Não sei o que passou, ou quem passou, mas você está fabulosa!
  • Obrigada, Rute! – Eu não me sentia confiante, não totalmente. Existia um sentimento de “eu fiz o que eu podia, eu só quero terminar isso e ir embora”.

Entramos na sala e Joseph estava lá. Um pouco patético, também havia perdido peso e tinha os cabelos pintados como um bom senhor que não aceitava a idade que estava. Ele não era velho, tinha 44 e sempre foi muito charmoso, mas as horas dedicadas ao trabalho o fizeram perder a jovialidade.

Quando ele me viu perdeu o semblante arrogante que carregava no rosto, estava intrigado e não conseguia desviar o olhar. Talvez eu carregasse realmente uma energia diferente. No encontro anterior eu estava considerando uma reconciliação, ele estava com o poder e sabia disso. Ele se dizia abandonado por mim, porque não o perdoei num momento de falha, um único momento que teve na nossa história, sendo que ele já tinha até esquecido as minhas. A minha falha segundo ele foi não ter contado que eu tinha ovário policístico, o que dificultava meu processo de engravidar. Tentamos por muito tempo e nunca funcionou.

No começo ele foi compreensivo, depois começou a usar isso contra mim. Usava meu problema de saúde para justificar sua falta de tesão, por não conseguir ficar ereto, por não querer assistir um filme comigo e até mesmo para sua traição. Ele foi seduzido, segundo ele, pela possibilidade de ter um filho com a garota, já que eu não poderia dá-lo. Há um tempo atrás eu queria acreditar nisso, hoje eu entendo que não faz nenhum sentido e como poderia amar alguém, traí-la e fazê-la se sentir culpada por isso? Que classe de amor te empurra sempre para baixo?

Em uma de nossas conversas, logo em seguida ao flagra, ele quis propor ficar com as duas, eu e a garota. Ela ficava com a parte que eu não estava conseguindo cumprir e eu continuaria sendo a esposa, a que receberia as honras, os presentes, o status e quando ele se consagrasse no topo do mercado, eu que estaria do lado dele.

O que ele não sabia é que eu queria menos. Queria unicamente estar com ele, viver dia após dia somando o amor que construímos juntos, viajar, ver filmes, ler em companhia um do outro. No último ano tinha participado da roteirização de dois filmes. Em nenhum ele havia me acompanhado na estreia.

Status, dinheiro e poder. Não era isso que eu queria dele. E se eu quisesse tudo isso, muito menos precisava dele para me dar. O advogado dele começou a falar:

  • Bom dia, meus caros. Hoje conforme combinado, estamos nos reunindo somente para a formalização de tudo já descrito nos acordos entregues para a leitura, porém com um acréscimo que meu cliente me pediu para agregar. Ambos os lados concordaram em manter o patrimônio que tinham antes do casamento e, durante o casamento cada um ficaria com o que foi comprado em seu nome.. – Ele fez uma pausa, eu não entendi o que estava para acontecer. Olhei para Joseph e vi um olhar de satisfação, como se eu estivesse a ponto de perder alguma coisa valiosa. Eu não sabia o que esperar.
  • E o que mudou, doutor? – perguntou minha advogada já cuspindo fogo.
  • O BMW X1 comprado em 2019, que hoje está em posse da senhora Laura Mak ..- eu não deixei ele terminar.
  • Você está louco? Você me deu esse carro como presente de aniversário!
  • Mas foi comprado no meu nome – ele deu um sorrisinho sarcástico de satisfação.

Ele odiava aquele carro, dizia que era brega, carro de classe média e não entendia porque eu gostava e preferia aquilo ao invés de uma Ferrari, ou uma Porsche. Eu entendi o que ele estava fazendo, ele queria me atingir de alguma forma. Aquele carro significava muito pra mim, quando recebi o convite para escrever o meu primeiro roteiro holywoodiano, eu estava nele. Foi nele também que me reconciliei com meu pai, após muitos anos sem nos falar. Ele foi meu lugar de conforto quando minha casa já não trazia paz, e Joseph sabia disso.

  • Você quer que conversemos sobre isso e refaçamos esse acordo? A ideia é que você não saia prejudicada disso, quem quebrou o contrato de casamento foi ele e não você. Se formos a juiz provavelmente manteremos seu carro e muito mais, podemos conseguir metade dos bens dele. – disse Rute baixinho para mim.

Eu respirei fundo e entendi que aquilo era justamente o que ele queria, mais tempo, mais briga e me fazer sofrer. Então eu disse em alto e bom som:

  • Por mim tudo bem, é apenas um carro. Assinemos todos e acabamos com isso logo. Peguei o papel das mãos do advogado dele e assinei sem titubear. Por essa, ele não esperava. Como o acordo tinha sido refeito por ele, a parte dele já estava assinada e não poderia voltar atrás. Minha advogada sorriu e assinou satisfeita.
  • Como assim é apenas um carro? Desde quando você não se importa por aquela porcaria de BMW? – Ele realmente não esperava por isso e estava exaltado, saía saliva enquanto ele falava de tão nervoso que havia ficado.
  • Desde que eu entendi que eu mereço uma Ferrari, e não estou falando do carro. – Eu me levantei e ouvi o mundo caindo atrás de mim. Ele começou a me xingar, me chamar de velha e outras coisas que eu não fiz questão de ouvir.

Estava feito. Nem perguntei quando teria que entregar o carro, isso a Rute me falaria depois. Quando entrei no elevador havia dois homens lá, aparentemente mais jovens, bonitos e bem vestidos, eu ainda estava com a pisada dura que tinha saído da sala e a cara de quem merece uma Ferrari. Eu não sabia que era assim que se chamava a atenção dos homens. Fui fuzilada com olhares pelos dois. Me senti ficando vermelha, mas mantive a cabeça erguida. Fui apertar o Térreo e o que estava mais próximo da porta se antecipou e me perguntou para onde eu queria ir – Para tua cama, pensei somente – “Para o térreo, por favor – esbocei um sorriso de agradecimento, mas nada muito largo e ele continuou a me olhar intensamente.

Entrei no carro e soltei o ar que estava dentro de mim. Eu nunca cheguei a pensar que fosse odiar Joseph, mas nesse momento era exatamente o que eu sentia, no entanto eu entendi algo que ele não tinha entendido ainda. A melhor forma que eu poderia me vingar era fazendo a mim mesma feliz, fingir que eu não sentia nada e que de nenhuma forma ele estava me afetando. Se pudesse demonstrar o contrário desse último, muito melhor. No meio dessas reflexões o meu telefone tocou.

  • Professora Laura, aqui é a Martha da coordenação. O professor Gonzalo não poderá ir hoje e gostaríamos de saber se você pode substituí-lo.
  • Eu estou do outro lado da cidade neste momento. Que horas seria a aula dele?
  • Em 40 minutos…
  • Nem que eu fosse a 120 km/h… – Eu parei e pensei, eu nunca passei dos 80 km/h nesse carro. Sempre pensei como seria levá-lo a Autobahn e fazer uma graça. Eu não estava na Alemanha, mas seria uma boa oportunidade de despedir do meu companheiro. Se por acaso ele levasse umas multas e arranhadas, provavelmente já não seria mais problema meu. – Eu vou chegar com um certo atraso, mas estou a caminho.

Não esperei ela responder, desliguei o telefone e pisei no acelerador. Eu sabia que na cidade não iria conseguir ir tão rápido quanto eu gostaria, mas quando ligamos o status “foda-se” de nós mesmos, parece que o mundo conspira a nosso favor.

Fechei o teto solar, subi os vidros, liguei o ar-condicionado e coloquei na playlist “Velozes e Furiosos” do meu aplicativo. Uma parte de mim se sentia patética, a outra parte só queria aproveitar a adrenalina que estava recebendo.

Minha sorte é que numa quarta-feira às 11 da manhã, o trânsito não era dos maiores. Passei no primeiro sinal vermelho, levei umas buzinadas e alguns gritos que não fiz questão de tentar entender, se existia alguma sincronia nos semáforos, eu não poderia arriscar parar em todos. Nesse caso então, eu deveria estar 2 segundos mais rápido que o anterior, assim passaria no verde ainda. Pisei um pouco mais.

Não tinham tantos carros na rua, mas eu realmente estava costurando os que estavam ali. Eu não me importava se tivesse que pagar a traseira de alguém, só não queria machucar um pedestre ou algum animalzinho, de resto continuávamos no botão foda-se.

Amarelo. Continuava na dúvida se os semáforos estavam sincronizados, mas eu iria ter que pisar um pouco mais. Um segundinho a mais e não teria um ataque a cada cruzamento. Senti o motor, a sensação de poder e jovialidade era indescritível. Ao mesmo tempo, me sentia irresponsável. Que delícia. E pisei mais um pouco. Pronto, verde!

Olhei no relógio e faltavam 15 minutos para a aula começar, ainda me faltavam 31 km. Em breve entraria numa rodovia com 3 pistas e poderia ganhar tempo ali. Aproximadamente 20km seriam ali nessa rodovia. Que Deus me proteja.

Quando entrei na rodovia me sentia fugindo da polícia, ninguém estava com pressa, apenas eu “dando farol” para todos saírem da minha frente. O limite de velocidade era 110 km/h, tinha alguns radares de velocidade e eu estourei todos. Não tinha ninguém na pista mais veloz que eu e quando olhei para o velocímetro eu estava a 150 km/h.

Eu gargalhei por uns 3 minutos seguidos e fui reduzindo a velocidade conforme a rodovia ia estreitando. Um ato de rebeldia e eu me sentia maravilhosa.

Sabe o que seria mais rebelde, Joseph? Transar nesse carro e deixá-lo com um perfume especial para você. Eu sorri com essa ideia e comecei a pensar na possibilidade de fazê-la real.

Mas transar com quem? E arrumar uma pessoa assim de uma hora para outra e já transar no carro, não parecia tão simples. A não ser que… não eu tinha que tirar essa ideia do Matheo da minha frente, ele era meu aluno e era um menino. Na hora me veio à mente ele me lembrando que era HOMEM.

3 minutos e eu já estava na porta da faculdade, não matei ninguém e não bati o carro. Estacionei o carro e me dirigi à coordenação. Recebi alguns olhares de alunos e me lembrei que nunca havia ido maquiada e de salto dar aulas, eu estava com muita pressa nesse momento para me importar com a opinião das pessoas.

  • Martha! Tudo bem? – Acenei para que ela me notasse,.
  • Professora, Laura? Que bonita você está! Mas, o que está fazendo aqui? Eu pensei que não chegaria a tempo e enviei o e-mail para os alunos não virem, me desculpe! Me virei e caminhei de volta para o carro, após tanta adrenalina eu só queria sentar e tomar algo. Recebi uma mensagem de Rute, tinha 4 chamadas perdidas dela. Acho que não viria coisa boa por aí.

“Precisamos entregar o carro em 24 horas, por favor, assim que ler essa mensagem me responda. Preciso saber se devo entrar com um pedido de prazo maior ou não, de toda forma precisaria responder isso hoje sem falta”.

Respirei fundo e tirei uma garrafinha de whisky que havia ganhado de presente de uma visita que tinha feito numa adega há um tempo atrás, por fim me serviria de algo.

Tomei o primeiro trago e fiquei pensando nas lembranças que tinha nesse carro e como teria que desfazer tudo por um capricho de um homem revoltado. Eu tinha feito muita coisa dentro desse veículo, mas uma ainda não. Nunca tinha transado nele e que cara teria meu ex de tomar posse dele e sentir cheiro de sexo, cheiro do mel da minha pepeca que não havia sido extraído por ele. Quem sabe cheiro do leite de outro homem.

Eu sorri com essa possibilidade e eu lembrei que não tinha respondido o e-mail de Matheo. Quantos anos será que Matheo era mais novo que eu? Será que tão novo quanto a garota com a qual eu fui traída?

E eu gostei ainda mais da idéia.

Abri o e-mail da noite anterior e pensei comigo mesma. Iria digitar uma resposta, subjetiva e com prazo para ser lida. Se ele entendesse e viesse ao meu encontro dentro dos próximos 30 minutos, a ponto d’eu terminar a garrafinha de whisky, eu cumpriria com os pensamentos sórdidos, senão iria diretamente ao encontro com Rute para entregar o carro. Sem desvios.

“Caro Matheo,

Me pareceu sublime sua criatividade e me encantei com a originalidade da apresentação. Talvez você poderia trazer essa história mais próxima do seu público-alvo, nem todos vivem o verão de Vivaldi ou entendem a complexidade de um piano.

Talvez, quem sabe, um cenário de um carro parado no estacionamento da escola…”

Escrevi isso e enviei.

Não estava explícito, mas se estávamos na mesma sintonia seria o suficiente.

Aquele estacionamento à tarde era extremamente grande, escuro e vazio.

Deixei nas mãos do destino a possibilidade desse encontro. Dei um gole mais no whisky.

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Matheo

Estava fazendo os ajustes finais no trabalho que havia pedido Gonzalo, ele era um professor muito exigente e em certo ponto, eu também era comigo mesmo.

Deixei meu celular desligado para carregar o máximo possível antes de entrar em aula, eu tinha virado a noite olhando aquela tela e esperando uma resposta do e-mail. Nem me dei conta que estava sem carga nenhuma quando precisei vir para a aula.

Terminei!

Coloquei depressa o notebook na mochila e fui ligando o celular enquanto eu corria em direção a sala de aula. Cheguei na sala e estava fechada, não havia ninguém. Meu celular estava demorando para ligar, então resolvi ir direto na direção para saber se haviam mudado a sala.

  • A aula do professor Gonzalo foi cancelada, enviamos um e-mail avisando!
  • Enviaram quando? Eu não recebi nada, até ontem de noite eu estava acordado e não tinha recebido nenhum e-mail, estou muito certo disso.
  • Acontece que a aula ia ser reposta pela professora Laura, que aparentemente também não confere e-mails, mas houve uma falha de comunicação e só cancelamos mesmo, próxima semana voltará ao normal.
  • Como assim a professora Laura não lê e-mails? – Será que era por isso que ela não me respondeu? Estará sem internet ou passou algo?
  • Ela acabou de sair daqui achando que ia substituir o professor, mas na verdade já havíamos enviado o e-mail de cancelamento.

Nessa hora meu celular finalmente ligou e vi que sim havia recebido o e-mail de cancelamento, mas ali havia outro e-mail mais. Ela respondeu!

Abri correndo o e-mail e já não escutava mais o que falava a mulher da coordenação.

“Caro Matheo,

Me pareceu sublime sua criatividade e me encantei com a originalidade da apresentação. Talvez você poderia trazer essa história mais próxima da realidade do seu público alvo, nem todos vivem o verão de Vivaldi ou entendem a complexidade de um piano. Talvez, quem sabe, um cenário de um carro parado no estacionamento da escola…”

Me pareceu estranho, não era uma crítica, era um pouco raso e enigmático.

Porque ela colocou “público-alvo” em itálico e porque eu escolheria um estacionamento, algo tão grosseiro para fazer poesia?

Espera, meu público-alvo era ela. Estacionamento? Trazer mais próxima da realidade. Ela estaria na universidade ainda e estava me convidando para o carro dela no estacionamento? Eu olhei o horário do e-mail, 20 minutos atrás.

  • Martha, que horas você disse que a professora Laura estava aqui?
  • Eu não disse, mas não deve fazer meia hora que saiu…

Eu poderia estar muito errado disso, mas se tinha alguma chance de essa possibilidade ser verdade, eu ia agarrar com minhas duas mãos e cuidar com muito carinho. Eu desci correndo direto para o estacionamento e lembrei que o lugar era enorme. Bom, se ela veio substituir o professor Gonzalo, é possível que tenha utilizado a vaga dele. Ele sempre se gabava de ter a melhor vaga, perto do mural dos grandes diretores, onde ninguém mais descia.

Como poderia ser tão escuro esse lugar? Eu corri o máximo que pude e mal pude acreditar no que eu estava vendo. O carro dela estava lá…

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LAURA

Eu não sabia que 200ml de whisky poderiam me deixar bêbada, ou quase bêbada que era minha situação atual. Já haviam se passado 27 minutos e meu pupilo não tinha chegado. Acho que o “bat-sinal” não funcionou.

De tanto pensar na possibilidade, eu já estava molhada por mim mesma, acho que o álcool me ajudou também. Eu baixei um pouco o banco, tirei minha calcinha e comecei a me tocar. Imaginei ele chegando, pousando os lábios sobre meu pescoço, suas mãos apertando minhas pernas… Eu já podia sentir o caldo de lubrificação saindo por entre minhas pernas e sujando meu banco de couro, eu sorri porque era exatamente isso que eu queria. Sujar esse carro com meu prazer. De repente eu ouço passos, me assustei porque não tinha mais ninguém ali.

Vejo uma silhueta masculina, me recomponho e identifico. Era ele vindo a passos largos e desconfiados na minha direção. Dou um sinal de luz, baixo a janela da porta de passageiro. Ele me vê e faz menção de entrar.

Ele abre a porta e encontra minha calcinha no banco de passageiro, eu não tenho intenção nenhuma de me desculpar por isso. Ele fecha a porta e eu subo o vidro.

  • Você entendeu meu sinal, achei que não viria.
  • Eu estou vivendo um sonho, professora?
  • O que você faria se fosse um sonho? – Dei o último gole de whisky para ele, que bebeu e em seguida me beijou. Suas mãos no meu rosto, com tanta delicadeza e com tanto amor que acredito que o piano fazia parte da vida dele.

Eu me afastei e coloquei Vivaldi no som do carro, ele entendeu e me beijou mais. Eu me deitei no banco, ele levantou a minha saia e me observou por uns bons segundos.

Suas mãos se deslizaram por toda a extensão das minhas pernas, como se ele estivesse conhecendo todo o território.

Ele voltou as mãos para minha vulva, e como se tivesse encontrado o que há de mais precioso no mundo, ele me encheu de beijinhos. Que sorte que tinha depilado ontem. Que delícia estavam aqueles beijinhos, era o mais próximo que eu tive de um sexo oral em toda a minha vida. Comecei a temer se eu estava suja ou com mal cheiro.

Antes que meu pensamento terminasse, ele me abocanhou e eu dei um leve gritinho. Eu olhei pra baixo e vi Matheo empenhado, como se estivesse comendo sua sobremesa favorita. Eu via sua boca me chupar como um picolé, ele estava se lambuzando e eu também. Aquilo realmente existia e era muito bom. Assim como no e-mail que ele tinha me enviado no dia anterior, quando a música começou a ritmar, ele pôs sua língua para dançar com meu clítoris. Conforme o verão crescia, conforme sua língua aumentava o ritmo, as ondas de prazer me alcançavam mais e mais. Eu gozei e gozei muito. Gozei na boca do Matheo, no banco de couro e fiz o carro todo sentir que eu tinha gozado. Minhas pernas não respondiam.

  • Você está bem? – ele me perguntou se colocando por cima de mim e me beijando.
  • Acho que nunca estive tão bem na minha vida. – Eu senti que ele estava duríssimo por baixo do Jeans que ainda vestia. – Você não vem?
  • Eu posso? – Foi quase uma súplica
  • Venha e quero que me lambuze com toda a porra que estiver guardando.

Ele abriu o zíper desesperadamente e sem tirar a calça me meteu. Eu não me preocupei em usar camisinha, nem nada. Eu só queria senti-lo vibrar dentro de mim.

Quando ele começou a penetrar, eu não podia acreditar que seguia penetrando. Outro mito que eu estava quebrando era sobre o tamanho de pênis, era enorme e eu estava sentindo totalmente preenchida por ele. Que delícia de sensação. Que pau macio.

Quando ele terminou de entrar, nos beijamos novamente e o senti crescer ainda mais dentro de mim. O encaixe parecia perfeito, a música, a pele, sua respiração.

Ele não me metia com força e muito menos usava daquele momento para exercer algum tipo de poder contra mim. Ele não tinha pressa.

Me abraçava com amor, beijava meu pescoço, voltava a beijar minha boca.

Ele parou no meio de todo aquele frenesi e me olhou no olho, beijou minha testa, meu nariz, minhas duas bochechas e me disse:

  • Eu nunca acreditei que pudesse estar com você assim, não trocaria esse momento por absolutamente nada nesse mundo. Não quero que acabe. – Ele respirava como que lutando contra o prazer, se notava como estava se contendo.
  • Não precisa acabar, mas podemos continuar de outras formas, em outros lugares..
  • Podemos? Eu vou poder te ver de novo? – eu ri com aquela pergunta, ele realmente me admirava e ele faria qualquer coisa por mim. Eu estava gostando muito daquela sensação, acho que era isso que me faltava há muito tempo.
  • Podemos nos ver várias vezes enquanto você puder guardar segredo – ele me beijou e não me deixou acabar de falar. Levantou minha perna um pouco de lado e como em desespero meteu com vigor, como somente um jovem pode fazer. O zíper da calça que não estava totalmente tirada arranhou um pouco minha perna com a pressão, mas eu não poderia estragar o momento. Eu abri um pouco mais minha perna e o segurei para que não saísse totalmente de mim, ele entendeu e não aguentou segurar mais. Eu senti a pressão dentro de mim, seu corpo tremia forte e seu pinto estava vibrando. De repente tudo acalmou e ele estava ofegante.

Continuamos abraçados ali, restaurando a respiração, voltando à realidade. Ele saiu de mim devagar e nós dois trememos com esse movimento. Ele me levantou com uma mão, se pôs no banco, de forma que agora eu estava por cima e ficaria deitada sobre seu peito.

Como um casal de apaixonados, ficamos ali uns 15 minutos sem falar nada, ele acariciando meu cabelo e eu tirando leves cochilos. Foi quando meu celular tocou e eu despertei.

  • Alô – disse um pouco bêbada e um pouco sonolenta
  • Laura, você viu minha mensagem? Você consegue entregar o carro hoje sim ou não?

Suspirei alto e vi que ainda estava metade nua e Matheo também.

  • Sim, consigo. Estou a caminho. – Desliguei o telefone e ele me beijou em seguida. Se Joseph tivesse me dado beijinhos assim, talvez eu tivesse conseguido aguentar uns 10 anos mais de casamento. O que eu queria era algo tão simples e naquele momento eu estava tão satisfeita. – Eu vou precisar ir agora – não sabia o que dizer depois disso, eu tinha gostado muito para nunca mais vê-lo, porém ainda era um romance fora dos padrões e que eu não saberia se iria querer mantê-lo. Tinha a chance dele não querer mais também.
  • Foi perfeito para mim, Laura. Quero muito te ver de novo – Ele me beijou novamente, arriscaria dizer apaixonado e intenso. Se eu não tivesse que ir, provavelmente iniciaria outra transa ali mesmo. Então eu percebi que eu não era fria como me disseram por muito anos, só estavam usando o combustível errado comigo.
  • Eu te mando um e-mail – rimos juntos, ele se vestiu novamente e antes de sair, virou para mim e me disse:
  • Por fim, não me disse o que achou do meu trabalho.
  • Merece um dez. – Eu sorri e ele sorriu, liguei o carro e me fui.

Coloquei o óculos de sol, abri o teto solar e liguei o som do carro em uma rádio qualquer. Estava tocando a música da Alicia Keys, If I Ain’t Got You, e nunca fez tanto sentido. Eu só precisava de um Matheo em minha vida. Joseph tinha tirado todo o amor que um dia lhe ofereci, e como se fosse pouco, foi procurar em outro lugar. Ele que fizesse bom proveito do carro com cheiro de sexo e da garota que nunca seria chupada na vida. Eu ri alto e cantei junto com Alicia:

Some people live for the fortune

Some people live just for the fame

Some people live for the power, yeah

Some people live just to play the game

Some people think

That the physical things”

Como em um filme, as pessoas passaram por mim e cantaram junto comigo. Essa sensação de liberdade, de satisfação e de que a vida estava fluindo dentro de mim, não gostaria de deixar de viver isso nunca mais! Joseph levaria meu carro, ficaria com o apartamento em que vivemos esses anos, mas ele não levaria minha alma consigo. Jamais!

Coloquei minha calcinha dentro da bolsa, tirei meus documentos e não fiz questão nenhuma de limpar o banco. Ele era de couro, mas só a sensação de saber que tinha deixado fluidos ali, já me satisfazia.

Deixei a chave com Rute que me olhou desconfiada.

  • Sim, Rute. Acabei de fazer o melhor sexo da minha vida com um garoto 10 anos mais novo do que eu nesse carro e não faço questão nenhuma de esconder. Dá pra sentir? Quero mesmo que ele sinta e que ele veja que eu ainda estou viva. Mesmo ele tentando me afundar, me colocando mais para baixo que o solo, ele não tem mais poder sobre mim.
  • AR-RA-SOOOUU! Vou tirar uma foto que o carro já se encontra disponível e vou te levar eu mesma para casa. Quero que me conte essa história e como arrumar um desse para mim!

Rimos juntas e assim o fizemos. Nada une mais duas mulheres do que falar mal de ex parceiros. Paramos no meio do caminho para beber cerveja, era um bar de esquina onde o prato mais caro não passava de 50 reais e eu confesso que apesar dos olhares que recebemos, não lembrava da última vez que havia me divertido tanto.

Matheo não estava ali, mas estava em minha mente. Eu agradeci aos céus pela existência dele nesse momento da minha vida. Não foi somente sexo, a forma como ele me olhou, me tocou e me fez sentir mulher. Agradeci, porque em muitos momentos eu quase acreditei que não era mais atraente, que serviria apenas pelo meu sobrenome e que estaria velha demais para ser desejada.

Depois de tomarmos 7 cervejas, fomos embora. Ela me deixou em casa e seguiu seu caminho. Que dia! Me larguei no sofá e fui conferir o celular. Tinha uma mensagem de Joseph:

“ Vou ter que gastar uma nota para tirar o cheiro imundo que você deixou no carro. Para quem você emprestou? Tudo isso somente para fazer raiva para mim?

Eu te dei oportunidade de continuarmos juntos, você não aproveitou e agora faz pirraça?

Porque o chaveiro que eu te dei junto com a chave do carro não veio?”

Era só o que me faltava, eu nem lembro quando e se perdi ou joguei fora aquele chaveiro brega de coração. Simplesmente apaguei a mensagem e quando ia me virar para dormir, me lembrei de ver o e-mail. Tinha um novo e-mail não lido.

“Boa noite, professora Laura.

Gostaria de agradecer a última classe, todos os ensinamentos foram muito práticos e pude externalizar todo o meu sentimento represado, espero que não tenha sido incômodo ou tenha passado uma visão distinta.

Continuo repassando mentalmente cada lição dada, e gostaria de dizer que quero muito continuar aprendendo contigo. Como faço para ter uma nova classe?

As tintas que usamos tinham cores e odores únicos, os movimentos das luzes e o impacto dos ruídos mudaram minha forma de enxergar a vida ao meu redor e dentro de mim. Depois de hoje, tudo parece mais bonito.”

Meu coração aqueceu de ler aquilo, cliquei em responder e enviei meu número de telefone. Fui buscar água na cozinha e quando voltei já tinha um “Olá”.

  • Diga-me o código secreto – enviei para ele. Por um momento desconfiei que poderia ser Joseph de outro número.
  • Nota dez – Bom, era realmente Matheo e aquilo me fez sorrir.

Enviei um áudio dizendo que já estava por dormir, mas que estava feliz pelo dia que tivemos. Não esperei pela resposta e só despertei no dia seguinte.

Acordei com uma baita dor de cabeça. Passavam das 10 da manhã e eu então lembrei porque não tinha costume de beber tanto assim, a ressaca não era a mesma como há dez anos atrás. Encontrei 5 chamadas perdidas de Joseph e mais 2 chamadas de Rute, além de 84 mensagens no Whatsapp.

Antes de me estressar com o que quer que poderia ser, segurei minha vontade de ver as mensagens do Matheo, fui tomar banho e colocar um café preto para a máquina fazer para mim.

Saí do banho e fui em busca do meu cafezinho, foi um abraço na alma.

Me sentei com a toalha em cima da cabeça e resolvi ler as mensagens. Comecei pela de Matheo:

“Eu não sei se poderei dormir hoje, não consigo parar de pensar no que aconteceu e meus lábios já estão em câimbras de tanto que sorrio.

Eu sei que deve passar muitas coisas na sua cabeça, mas quero que saiba que eu não contarei para ninguém, embora minha grande vontade seja de gritar para o mundo. Queria andar de mãos dadas com você e mostrar a todos o homem sortudo que sou.

Estou dizendo isso e não tenho ideia se irei te ver de novo, se estou sendo emocionado e se isso é algo que passa pela sua cabeça.

Bom, acho que você já foi dormir, que descanse bem e possa se lembrar de nós dois amanhã.”

Eu sorri com a insegurança que temos quando somos jovens, a importância que damos em grande escala à opinião alheia. Embora me preocupasse com os olhares e principalmente com o que eu poderia enfrentar na faculdade, eu estava entendendo o maior peso de não desfrutar a vida justamente por esse medo. Eu não queria mais viver assim.

Parti para as outras mensagens, ignorei novamente as de Joseph, eram mais de 50. Com certeza estava surtado.

Parti para as de Rute:

“Laura, desculpe o horário, mas você não vai acreditar. O advogado de Joseph quer anular o acordo dizendo que o cliente está saindo prejudicado porque você ficou com um chaveiro de diamantes que poderia valer mais que seu carro. Isso é verdade?

Ele também mencionou o fato de termos saído ontem e de termos bebido. De alguma forma ele ficou sabendo disso e acredito que não tenha sido você que contou.

Não me preocupo em ter que fazer um novo contrato, está óbvio que o único objetivo dele é estender o máximo essa briga, porém me preocupo com sua segurança. Me avise se ele começar a te seguir ou importunar.”

Eu mal pude acreditar naquilo que li, “chaveiro de diamantes”, que coisa mais brega. A única jóia que Joseph tinha me dado na vida, era a aliança de casamento e tinha minhas desconfianças se não fora meu pai que teria dado a ele, para que ele finalmente se casasse comigo. O discurso do meu ex marido era que eu havia crescido repleta de prata, dada ao império do meu pai, então isso não era algo que ele via sentido em me presentear. De certa forma ele tinha razão, nunca me faltou um anel, brinco ou pulseira, afinal eu era uma propaganda viva do “rei da prata”.

Eu não estava entendendo aonde Joseph queria chegar com aquilo, ele estaria finalmente livre para viver a vida dele, sem brigas, sem cobranças.

Abri a mensagem de Joseph e quase desmaiei quando vi aquilo. Tinha mais de 30 fotos minhas no bar com Rute. Ele tinha pago alguém para me seguir.

Junto com as fotos ele enviou outras mensagens, visivelmente não estava estável emocionalmente.

“Como você pode sair para comemorar após tantos anos de casamento?

Ainda está com ela? Por isso não atende o telefone?

Você parece uma vagabunda tomando álcool numa espelunca como essa, a ponto de ser sequestrada. O que vai fazer depois, vai abrir as pernas para um assalariado?

Ou pior, vai me dizer agora que você se descobriu gay e está saindo com sua advogada? Eu bem desconfiei da intimidade de vocês duas. Era por isso que você não queria mais se deitar comigo? Porque você está fazendo isso com a gente, Laura?

Eu ia propor para adotarmos uma criança e termos uma segunda lua de mel. Você estragou tudo.

Eu posso te dar uma nova chance.

Estou te ligando, me atende.

Se você quiser eu largo a Samantha, nunca a amei de verdade.

Você vai se arrepender do que está fazendo comigo!

Atende a porra desse telefone!

Quando a universidade souber que você está saindo com uma outra mulher e que frequenta esse tipo de lugar, o que você acha que vão fazer?

Você só está confusa meu amor, vamos conversar?

Me diga o melhor horário para eu te ligar. Te amo”

Eu senti um frio na espinha, não sabia como agir. Embora Joseph sempre fora um homem enérgico, nunca o senti possessivo e violento como nas mensagens. A verdade é que a gente nunca conhece um homem de verdade até rejeitá-lo, minha mãe sempre disse isso para mim. Tirei um print dessa infinidade de mensagens e enviei para Rute.

“Acredito que preciso de uma medida protetiva”

“Sim, você precisa. Vou providenciar agora mesmo isso. Enquanto isso, você não deve atender nenhuma chamada dele e não vai ao encontro dele, por nada nesse mundo. Estamos entendidas?”

“Sim.”

Ela mal terminou de falar e meu interfone tocou. – Senhora, Mak.

  • Sim, sou eu.
  • Estou com um senhor aqui embaixo dizendo que é seu marido e que quer subir. Posso deixá-lo subir? – Meu coração parou naquele momento e eu mais uma vez, demorei para acreditar no que estava passando. Eu demorei alguns segundos e consegui responder.
  • Como se chama esse homem?
  • Joseph, está com um buquê nas mãos e.. Espera, senhor!
  • Eu não sou casada, assinei os papéis do divórcio ontem, por favor mantenha esse homem fora do prédio.
  • Meu Deus, senhora! Ele acabou de entrar!
  • Você é surdo? Qual o seu problema?

Eu corri direto para a porta e tranquei absolutamente tudo. Eu não queria acreditar que Joseph poderia fazer algo comigo, mas já tinha lido histórias de mulheres mortas pelo companheiro e ex-companheiro o suficiente para ignorá-las.

A campainha toca e meu coração parece que vai sair pela boca.

Eu vejo através do olho mágico que é ele, está agitado, bem-vestido, porém com o rosto de alguém que não dormiu. Ele carrega flores consigo e toca a campainha de novo.

Ele não percebeu que estou ali atrás da porta e num movimento de colocar as mãos na cintura, percebi que ele possui uma arma. Sai um pequeno grito de susto da minha boca e ele percebe.

  • Laura, eu sei que você está aí, abre a porta! – e batia com força na minha porta

Eu começo a tremer e me afasto da porta imediatamente. Eu vou para meu quarto e me tranco lá, sinto o desespero me invadir e ligo para Rute.

Ouço os gritos mais e mais fortes, os golpes também parecem ter ganhado mais raiva.

  • Alo!
  • Rute, pelo amor de Deus o Joseph está aqui na minha porta com uma arma na cintura. Eles deixaram ele entrar.
  • Meu Deus, não abre a porta! Vou mandar a polícia aí. Não abre a porta!
  • Tá bom! – Eu já estava em soluços, encolhida no canto do chão e ouvindo cada vez mais alto os gritos raivosos de Joseph.

Quanto tempo levaria para a polícia atender um chamado? Seria menos tempo que meu ex marido levaria para arrombar uma porta? E se ele resolvesse usar a arma? E se isso estivesse deixando ele mais nervoso e então ele me mata ou mata outra pessoa só porque ficou nervoso?

Pode ser que seja melhor que eu abra a porta. Mas Rute disse para não abrir.

Meu Deus, que desespero, quanto tempo deveria esperar mais?

De repente ouço outras vozes, alguém parecia querer conversar com ele. Tinham mais pessoas, se notava pelo burburinho, porém ainda é possível escutá-lo. Agora a raiva dele tinha outra direção.

Ouço por uns instantes vozes altas e com mais força, parecem que estão afastando Joseph dali.

Batem na porta, agora de maneira mais suave.

  • Senhora, Laura. Ele já foi embora. Está tudo bem com a senhora?

Criei coragem e fui até a porta, realmente ele já não estava mais lá. Pareciam ser da polícia.

Abri a porta ainda com a toalha na cabeça e os olhos arregalados. Eles me explicaram que receberam o chamado do porteiro e que houve uma falha na segurança do prédio. Acrescentaram que eu poderia ficar tranquila que devido ao flagrante ele não iria poder se aproximar de mim ou de minha casa, aparentemente minha advogada já tinha feito o trabalho dela também. Dito isso eles se foram.

Eu fiquei em transe no sofá sem conseguir reagir e 30 minutos depois Rute apareceu. Nos abraçamos e eu chorei um pouco mais.

  • Eu preciso que você se acalme, pegue somente sua documentação, seu passaporte e hoje você precisa sair do país.
  • O que? Como assim? E a medida protetiva?
  • Joseph tem dinheiro suficiente para não precisar chegar perto de você e ainda assim ter o que ele quer. Está vendo isso aqui? – Ela levantou a blusa e me mostrou uma cicatriz que cruzava toda a extensão da barriga. – Quando eu me separei do meu ex-marido também tive medida protetiva e após não retirar as denúncias contra ele, fui assaltada na porta da minha casa e sabe o que levaram? Trezentos reais que tinha na minha carteira, não levaram os cartões de crédito, não levaram o Rolex que eu tinha no pulso e muito menos minha bolsa Prada. Isso tudo em Nova York, meu bem, não foi aqui em São Paulo. Mudei de nome, de endereço e de país. Decidi lutar por mulheres que não tem as mesmas condições que eu. E sim, ele é capaz de fazer o mesmo. Todos são.
  • Sinto muito por isso, Rute.
  • Sinta por você. Você tem 15 minutos ou vai perder a carona. Outra coisa, você não vai avisar absolutamente ninguém. Até que esteja segura seu celular estará comigo. – Mas e meu trabalho? Meu pais? Meus alunos… – Eu cuido disso, agora me dá seu celular.

Eu dei uma última olhada no celular e vi que Matheo havia despertado e me enviado mensagem. Podia ler através da tela de bloqueio algo que dizia “saudades”.

  • Acredite em mim, é melhor que você não fale com seu crush nesse momento.

Uma lágrima caiu do meu olho, eu limpei e entreguei o celular. Um trailer se passava em minha cabeça.

Nesse momento existiam dois homens protagonistas em minha vida. Um que me empurrava para baixo, me pisava, não queria me deixar livre para meu próprio universo. Era como a gravidade em mim.

O outro fazia de mim piano, poesia e arte. Eu era uma obra prima e ele um artista.

Será que um dia nos encontraríamos de novo? Será que algum dia alguma língua levaria meu clítoris para dançar novamente?

Havia tantas coisas que eu queria provar, tanto do seu corpo que eu ainda queria experimentar. Por hora levaria somente as lembranças comigo, uma troca de roupas e meu passaporte.

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